
Eu sei que ele continua a desaparecer, mas o que resta também precisa de atenção, por isso fui cortar o cabelo, chego lá, paro o carro, saio e leio o letreiro, “Fechado para férias”, olho em frente e vejo o Fredo, o Besunta e o outro que eu nunca soube o nome, sigo para o carro, já eles se aproximam de mim a pedir dinheiro para beber um café, de repente e devido ao facto de ver o Fredo que já não via há muitos anos, lembrei-me da minha infância, dos tempos em que eu era livre e podia andar na rua a jogar à bola, correr, ir às amoras, jogar às escondidas, às "caçadinhas", "jogar à sameirinha" (há quem chame “caricas”, pronto, são as cápsulas das garrafas e jogava-se com os dedos, metia-se uma casca de laranja ou de banana por cima para dar “apoio aerodinâmico” e toca a ver quem cortava mais depressa a meta no fim das 4 divisões (pistas) do passeio), tudo isto em segurança e muitas vezes no Verão até muito tarde, vantagens de se viver numa zona calma, numa estrada secundária onde passavam poucos carros a não ser os dos moradores que já sabiam que estávamos por ali e tinham o devido cuidado, não éramos muitos e o Fredo era um rapaz mais velho que a media de idades do nosso grupo, tem uma deficiência que muito sinceramente nunca soube ao certo se tem definição médica, sempre brincou connosco, tinha mais corpo, mas nunca foi mau, era bastante amigo e dada a sua liberdade sempre que fossemos a rua, ele lá estaria, tínhamos sempre com quem brincar até aparecerem mais, mas o tempo passou, crescemos, o Fredo também viu a sua idade aumentar os laços foram-se quebrando naturalmente a geração de crianças seguinte já não era compatível para brincar com o Fredo devido, à já muita, diferença de idade, as ruas modificaram-se o numero de carros aumentou, a segurança diminuiu, e o Fredo acabou por arranjar dois novos amigos, eles também com problemas parecidos, posteriormente também se mudou, e ficou mais difícil encontra-lo, hoje o Fredo terá 42/43 anos, continua a andar pelas ruas mesmo tendo casa e sendo bem tratado, gosta de andar livre, não trabalha, não tem vícios, vive da reforma, a mãe trata dele, gostei de o ver, está gordo, anda limpo, fico feliz por ele, os outros dois amigos também têm as suas manias, um anda sempre de rádio a ouvir musica, nunca o vi sem rádio, o outro, o Besunta, é doido por relógios a frase mais conhecida dele é "ò Tone, ò Tone, Timex , Timex" a apontar para o relógio dele, tenho o meu braço esquerdo fora do carro, o Besunta pega nele aponta para o relógio e faz a oferta dele “5 euros”, o Fredo diz “És tolo”, eu tenho de ir eles afastam-se e ainda há tempo para eu dizer “Ó Fredo, o nosso Benfica” ele responde “É o maior”. Acabei por ir a outro barbeiro, tinha mesmo de cortar o cabelo. Também não vendi o relógio, tenho esperança que um dia alguém mais desatento me ofereça 6 € por ele.